sábado, 28 de junho de 2014

Um esporte honrado

As equipes entram juntas, mas não se cumprimentam. Cantam seus hinos com paixão, quase raiva. O jogo é de extremo contato físico, mas raramente desleal. Quando o é, a retribuição é certa e imediata e a resolução da arbitragem, segura e respeitada. Os atletas tentam esconder as suas eventuais, mas não simulam ter sofrido infrações e nem contusões para induzir advertências ou expulsões de adversários. Ao final do jogo, os atletas, enfim, se cumprimentam, até se confraternizam. Não raro vão encher a cara de cerveja juntos no mesmo botequim.

Obviamente, não estou falando de futebol, não o association, pelo menos. Estou falando de rugby.

Lances de pontuação são sujeitos a revisão por vídeo a critério do árbitro. O relógio pode ser parado caso haja alguma interrupção extraordinária da fluência do jogo, normalmente quando o árbitro conferencia com os capitães das equipes, que, aliás, são os únicos jogadores que podem, de direito e de fato, dirigir-lhe a palavra. Atletas contundidos, a não ser quando a contusão seja tão séria quanto uma perda de consciência ou fratura, não determinam parada do jogo ou do relógio, pois os atendentes podem ingressar no campo com o jogo rolando. Assim, quando se entra no último minuto de qualquer tempo, o jogo continua rolando até que a bola saia de campo ou a equipe que esteja com a posse de bola dê ensejo a alguma parada no jogo, como cometer uma infração - se quem tem a posse de bola sofre a infração, a falta é cobrada e o jogo continua até quando pare de qualquer outra forma.

Não percebo empecilhos à adoção imediata desse critério de contagem de tempo e dos procedimentos de atendimento de jogadores não seriamente contundidos - o que corresponde a quase todas as ocorrências de contusão simulada ou real - pelo futebol. E seria, ainda, extremamente salutar, pois virtualmente acabaria com o nefasto instituto da "cera" e tornariam desnecessários os acréscimos ao tempo regulamentar, que pseudocompensam as paradas de jogo.

Quanto à revisão de, ao menos, lances de pontuação, não há leitura absolutória possível da insistência em não se a empregar, sobretudo com recursos tecnológicos disponíveis há pelo menos trinta anos que reduziriam a zero o índice de erro na marcação de impedimentos e de bola cruzando ou não a linha do gol. Somente depois da vergonha indisfarçável de em plenas quartas-de-final de Copa do Mundo entre ninguém menos que Alemanha e Inglaterra o mundo inteiro, exceto o trio de arbitragem, ter visto uma bola entrar mais de meio metro no gol e o tento não ter sido marcado que se cogitou de autorizar o que eu chamo de versão beta de goal line technology no corrente Mundial. Independentemente disso, soluções tecnológicas simples que recomporiam a lisura do espetáculo do futebol teimam em não ser adotadas, e não me parece nenhuma coincidência o fato de que se o fossem, seria praticamente impossível a manipulação de resultados por intermédio da arbitragem.

Dentro de campo, como já assinalado, os atletas não dão muito melhor exemplo. Esse ritual bizarro de efusivos cumprimentos e confraternizações ensaiadas antes seguido de atitudes antidesportivas institucionalizadas durante o jogo somente pode ser caracterizado como odiosa hipocrisia. E tampouco há outra forma de denominar as irritantes práticas de "cavar" falta, simular contusões e agressões para forçar advertências ou expulsões de adversários e/ou induzir uma parada de jogo para atendimento médico para interromper um contra-ataque, em nome do fair play.

É evidente que todo esporte e mesmo a vida, de que o esporte é uma imitação, tem uma carga de malandragem. Essa malandragem pode ser boa ou ruim, ou ao menos não imoral ou ruim. A modalidade mais branda corresponde a não produzir provas contra si mesmo, ou seja, não facilitar a vida da arbitragem quando se está cometendo uma infração. É função da arbitragem detectar ilegalidades praticadas pelos jogadores, não deles de reportá-las à arbitragem. Exemplifico com o clássico passo à frente do Nilton Santos após cometer pênalti em jogo contra a Espanha na Copa do Mundo de 1962, o que pelo menos plantou dúvida na cabeça do árbitro e a falta foi marcada, assim, fora da área. Mas não há nada de positivo na artimanha de induzir a arbitragem no erro de marcar contra um adversário uma infração ou agressão que ele não cometeu e assim perceber uma efetiva vantagem indevida.

Tanto no futebol como no rugby há inscrita na lei a prerrogativa e obrigação do árbitro de punir o jogador que pratica conduta antidesportiva. Porém, o futebol simplesmente não tem essa cultura e essas atitudes não são punidas de forma sistemática e decisiva pela arbitragem. E, em outro fenômeno que credito à onda do politicamente correto, as ridículas confraternizações prévias entre os futebolistas são vistas como bonitinhas.

Por outro lado, não há absolutamente nada de bonitinho na haka neozelandesa. Ela é um poderoso e declarado instrumento de intimidação. Mas uma vez que começa o jogo, nem os All Blacks nem qualquer rugbier que se preze joga de forma desleal, embora joguem duríssimo. Alguns exageros e liberdades indecentes, é bom que se diga, às vezes ocorrem, como no recente caso de um sonoro murro desferido por um jogador em um adversário na semifinal da Premiership inglesa. O agressor foi imediatamente expulso e, no dia seguinte, se desculpou com o agredido, que aceitou o pedido, desejou boa sorte ao algoz na subsequente final do campeonato e, por último, ouviu deste "I owe you a pint".

O futebol tem muito o que aprender com o rugby. Sobretudo em matéria de cavalheirismo e ética.

domingo, 22 de junho de 2014

Educação da mente pela cultura do corpo. Defesa pessoal. Dois nomes. Uma só arte.

Jigoro Kano buscou seu primeiro contato com artes marciais por uma razão não muito diferente daquela da maioria das pessoas que imitam seu gesto até hoje: defesa pessoal. Na adolescência, ele ia a pé à escola e, no caminho, era comumente assediado por valentões que o julgavam presa fácil por ser baixo e franzino. Ele elegeu o jiu jitsu - arte suave - pela predominância de movimentos e golpes não dependentes de grande força ou agilidade, atributos que ele não possuía.

Fosse pela morte de ao menos dois de seus mestres em razão de suas respectivas e avançadas idades, fosse pelo seu próprio interesse em diversificar seu aprendizado na arte, Kano teve contato com várias escolas de jiu jitsu, dedicando-se com afinco a cada uma delas. Tanto que, junto com a conclusão dos seus estudos básicos, início da graduação superior e por volta dos vinte anos de idade, ele recebeu o título de mestre do seu então professor.

Justamente, o professor declarou nada mais ter a ensinar ao seu discípulo quando passou a ser sistematicamente subjugado por ele nas sessões de treino livre. Tratava-se de uma escola de jiu jitsu especialmente focada em técnicas de projeção e Kano ganhara muita efetividade nelas quando passou a quebrar a postura do oponente antes de aplicá-las, técnica a que ele posteriormente deu o nome de kuzushi. De fato, ele havia notado que era muito difícil projetar o oponente ao solo, sobretudo se ele fosse muito mais pesado e forte, sem antes desequilibrá-lo. Uma vez atingido o desequilíbrio, as diferenças de peso e compleição física eram anuladas e bastava aplicar a técnica de projeção mais à mão.

Nesta época, já estava em formação o acadêmico Jigoro Kano, profissão que exerceu até os seus dias finais. Como professor, seu treinamento e instinto se desenvolveram para aperfeiçoar métodos de ensino em sentido amplo. E foi neste exercício que Kano percebeu que o treinamento em artes marciais em geral e no jiu jitsu em particular era uma ferramenta formidável de aprendizado, pois pela cultura do corpo se educa a mente. Este é um conceito bastante familiar à cultura e filosofia orientais que talvez até hoje o Ocidente tenha alguma dificuldade em compreender. Sem embargo, para Kano era claro que o escrupuloso e intenso exercício que era o jiu jitsu conduzia tanto à saúde física quanto ao autoconhecimento, a um mais elevado estado de espírito e, portanto, maior permeabilidade a todas as lições ministradas pela vida.

Assim, o jiu jitsu deveria ser aberto a quem quer que desejasse se aperfeiçoar em todos e em qualquer sentido. Isso demandava simplicidade dos movimentos, para que qualquer um, independentemente de limitações físicas ou mesmo intelectuais, pudesse executá-los, e eficiência das técnicas, para que elas funcionassem em situações de combate e em intensidade máxima sem causar danos irreparáveis aos praticantes.

Essa foi a gênese do judô. Na grafia japonesa, os caracteres que simbolizam as sílabas "jiu" e "ju" são idênticos, assim como sua tradução, "suave". Já "do" significa "caminho", "judô" vindo a expressar a proposta de Kano de servir muito mais que uma simples atividade física ou meio de defesa, mas sim um meio - caminho - de vida. Um formidável método de educação da mente pelo corpo e, portanto, valiosa ferramenta para o próprio Kano no seu ofício como educador.

Kano resolveu delinear expressamente os princípios do seu caminho suave. Nesse exercício, ele produziu várias máximas, mas os princípios propriamente ditos eram apenas dois: Seiryoku Zenyo e Jita Kyoei. "Máxima eficiência com mínimo esforço" ou "mínimo dispêndio de energia" e "prosperidade e benefício mútuos".

Embora a prática reiterada demonstrasse a eficiência do judô como método de defesa, tendo sido inclusive adotado pouco depois da instituição do Kodokan pela então força policial japonesa, Kano nunca idealizou cenários de competição e nem fez do judô uma profissão, tendo mantido o seu foco inicial de ferramenta de ensino. Consequentemente, talvez pela maior fluidez dos movimentos, ele investiu mais em técnicas de projeção do que de solo.

Ao contrário de Kano, um de seus discípulos viu potencial econômico no judô e idealizou fazer dele a sua profissão. Ele pretendia excursionar pelo mundo realizando desafios e cobrando por lutas e exibições, e pediu a bênção do mestre. O mestre a deu, sob a condição de que o discípulo não denominasse sua arte marcial competitiva e de desafio de "judô", pois, de fato, não era essa a proposta do judô. Kano não viu maldade nas intenções e propostas do seu discípulo, mas tampouco viu nelas traduções exatas do Seiryoku Zenyo e Jita Kyoei. Foi um cisão amigável, pois o discípulo ainda pretendia, para dar mais plasticidade às suas exibições, reintroduzir técnicas dos estilos clássicos de jiu jitsu que Kano havia desprezado por considerá-las perigosas ou ineficientes em razão de demandar força ou agilidade em demasia. E assim o discípulo se despediu do mestre e ganhou o mundo.

Seu nome era Mitsuyo Maeda.

Não é nenhuma coincidência que o baixo, franzino e de frágil saúde Hélio Gracie tenha passado pelo mesmo processo que Jigoro Kano ao adaptar o jiu jitsu clássico com que teve contato para que ele mesmo pudesse praticá-lo e ser eficiente. Mas ao contrário de Kano, Gracie não tinha, pelo menos não no início, nenhum objetivo educacional; ele simplesmente queria desenvolver o método de defesa pessoal mais eficiente possível, por tal entendendo-se acessível a qualquer pessoa e capaz de neutralizar qualquer ataque de qualquer indivíduo, ainda que maior, mais forte e mais atlético. Precisamente por essa razão, Gracie culminou por desenvolver técnicas de solo muito mais proeminentemente que as de projeção.

Gracie também identificou princípios na sua adaptação do jiu jitsu japonês. Para ele, toda e qualquer técnica tinha que obedecer aos seguintes requisitos: aplicabilidade em brigas de rua, eficiência energética e basear-se em movimentos naturais do corpo. Na prática, uma técnica Gracie Jiu Jitsu deveria levar em consideração os tipos mais comuns de agressão, ou seja, chutes e, principalmente, socos, pois o indivíduo que inicia uma briga de rua muito provavelmente buscará nocautear o adversário a qualquer custo; elas deveriam se basear em alavancagem e tempo correto de execução, não em força, agilidade ou velocidade; e, por fim, respeitar a mecânica natural do corpo humano. A esses princípios os netos de Hélio Gracie, Ryron e Rener, deram o nome de Gracie Guidelines e sob elas continuam ensinando a arte de seu avô a qualquer pessoa que esteja em busca do método mais eficiente possível de defesa pessoal.

Jigoro Kano continuou difundindo o seu judô e se envolveu na criação do Comitê Olímpico Internacional e na organização dos primeiros Jogos Olímpicos modernos, tendo sido uma figura positivamente influente na vida japonesa e mundial até sua morte nos anos 30. O judô de Kano, praticado sob a máxima eficiência que ele preconizava, reconhecidamente atingia a prosperidade e benefício mútuos que ele almejava e seu uso como ferramenta de educação em todos os níveis de ensino é amplamente difundido no mundo inteiro e especialmente no seu Japão natal até hoje.

Hélio Gracie e seu irmão Carlos codificaram o sistema de defesa pessoal mais eficiente que existe. Seu sistema não é um conglomerado de técnicas, mas sim a conjugação de determinados princípios, as Guidelines que os netos de Hélio reduziram a termo.

Kano realizou suas primeiras adaptações das artes marciais que buscou conhecer para fins de defesa pessoal para que ele e bem assim qualquer pessoa pudesse praticá-las intensamente e a longo prazo. E assim sorver seus benefícios.

Gracie quis dar a toda e qualquer pessoa o poder de se defender de qualquer agressor. E, com o tempo, percebeu que esse poder trazia uma invencível paz interior e autoconfiança.

Kano buscou o Jita Kyoei por meio do Seiryoku Zenyo. As Gracie Guidelines SÃO Seiryoku Zenyo. Este é uma síntese daquelas. E saber se defender de qualquer agressão injusta traz uma paz interior que influencia positivamente todas as pessoas do círculo de quem tem esse poder, independentemente de os codificadores terem ou jamais terem tido a intenção deliberada de produzir esse efeito em si ou nos seus discípulos.

Kano nunca quis tornar o judô um esporte de competição e nenhuma competição de fato foi organizada enquanto ele foi vivo. Hélio Gracie envolveu-se na criação da primeira federação de jiu jitsu do Rio de Janeiro com o objetivo de dar maior divulgação ao mais eficiente método de defesa pessoal conhecido, mas educadamente deixou a organização quando foi voto vencido na proposição de limites de tempo, categorias de peso e sistema de pontuação às competições de jiu jitsu, que assim, ainda por cima, poderiam decretar vencedor e perdedor por critérios outros que não a finalização.

Portanto, esqueçam regras de competição, tanto as arcaicas quanto as modernas. Esqueçam as rivalidades frívolas que os competidores tanto de uma modalidade quanto de outra criaram ao longo dos tempos.

Kodokan Judo e Gracie Jiu Jitsu são, na essência, a mesmíssima coisa.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Roma

Eu tinha doze anos de idade quando a conheci, quando minha capacidade de diferenciá-la de Carapicuíba era bem pequena. Por isso, quando voltei depois de mais de vinte anos, eu considerei como uma nova primeira visita.

As boas impressões podem ser consideradas óbvias: a organização, a riqueza de informações, a história viva, a limpeza, a segurança e a boa educação (da grande maioria) dos locais com o turista. Más impressões, se houve, foram relacionadas às queixas que qualquer grande metrópole do mundo gera em qualquer um, por mais acostumado que seja à vida urbana.

Mesmo assim, meu queixo caiu. Eu esperava encontrar isso tudo, encontrei e fiquei bobo do mesmo jeito, o que talvez denuncie o quão quadrado e admirador da organização extrema eu seja. Mas mais do que isso, para um geógrafo/historiador sem título e completamente amador, é fascinante como a cidade estabelece conexões entre eventos históricos significativos à nação de que é capital e os tempos atuais, como ela demonstra que esse país cunhou todo o seu passado de forma a conduzi-lo à posição de proeminência e centro político e econômico da civilização humana, o qual ocupou até tempos bem recentes e sob influência de um passado que não lhe pertencia e influenciando ainda hoje o presente e o futuro de seus herdeiros geopolíticos.

Refiro-me à reverência e à solidez histórica e tradicional das suas instituições políticas. À politização do seu povo. E à riqueza das apresentações de tudo isso aos olhos de quem a visita.

Ali ainda é e continuará sendo pelo futuro visível, se não mais o centro geopolítico e econômico, o centro cultural do mundo. Ela representa o arcabouço da cultura ocidental, cujos expoentes políticos de hoje dominam o mundo economicamente, então, minha teoria se fecha. E isto porque a cidade, como capital e símbolo da nação que representa, aprendeu e aplicou as lições de seus conquistadores desde quando teve notícia de que a sua própria defesa dependia exclusivamente de si e não da metrópole. Londres saiu da sala de aula para se lançar além-mar, conquistar colônias e mercados, exportar o seu modo de vida e exercer a sua influência... e domínio. Lições estas que seus sucessores hoje aplicam da mesma forma com instrumentos modernos e uma pitada de megalomania, que só não se diz patológica, bem, porque dominam, mesmo, o mundo, goste-se disso ou não.

Não estou me referindo a Roma, mas sim a Londres. Mas o título deste texto se justifica na medida em que foi de Roma que Londres aprendeu a ser Londres e compreendeu que conquistar e crescer importava em se expandir e educar. Instalar a sua própria cultura sem esmagar a local, desenvolver e estabelecer mercados. Não que tenham sido completos gentlemen nesse exercício, pois muita gente morreu nas pontas de suas espadas e baionetas e pelas balas disparadas de seus mosquetes, porém, a estratégia certamente gerou melhores resultados que os das suas contrapartes colonizadoras europeias.

Um momento ou movimento de arrogância e subestimação causaram-na a perda de sua mais notável colônia, que seguiu seus passos e lhe substituiu como líder ostensivo. Mas, tudo bem. Londres e o Reino Unido de que é capital sabem que continuam representando e exercendo a liderança moral e valorativa que constituem os pilares das modernas e vigentes práticas econômicas e políticas. Gostem os estadunidenses disso ou não - agora é a vez deles de comer e não gostar - eles dominam o mundo por procuração. Nada mais londrino que a habilidade econômica americana, cujo sistema político republicano e presidencialista que funciona é a exceção que confirma a regra de que o melhor e mais funcional sistema é o parlamentarista - republicano ou monárquico.

Justamente, a monarquia é, talvez, a maior prova desta posição exercida por Londres, pois ela não tem mais quase nenhum poder de governo; a importância dela é simbólica, mas efetiva porque ela funciona como um garante da preservação e continuidade das instituições e da própria noção de ser britânico. Em outras palavras, ela não bate carimbos no dia-a-dia, mas está ali. Se tudo mais falhar, a monarquia estará lá para preservar o país e mantê-lo no prumo. Ela não manda porque não precisa.

Então, quem vai aos Estados Unidos, se diverte e se admira da potência que eles são e querem saber como era e como é onde tudo aquilo começou, que vá a Londres. E que não se engane, o centro da civilização continua sendo lá.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Seu(ua) namorado(a) te deu um par de cornos e/ou um pé na bunda? Darwin, não Freud, explica.

Outro dia, uma jovem colega de trabalho teclava freneticamente o seu smartphone logo após terminado o expediente e soltava agudas exclamações, pontuadas com a paulistaníssima expressão "num tô inteindeinnnnndo", ao ponto em que eu me detive antes de voltar para casa e indaguei à moça o que diabos estava acontecendo. Ela, quase sem se desgrudar do telefone e agora munida de um lápis com borracha acoplada na ponta cega e dando vazão ao cacoete de com ele enrolar as longas madeixas, disse que estava recebendo mensagens de várias amigas dando conta de que o namorado de uma delas tinha sido visto aos engates com uma outra moçoila, supostamente muito mais feia que a referida e efetiva namorada dele.

"Num tô inteindeinnnnndo..."
"Calma, filha", eu falei, "eu explico. Quer dizer, Charles Darwin, o pai da evolução, vai te explicar, não eu. Na verdade, é muito simples".

"AHNNNN?"

Não é que ela nunca tinha ouvido falar de Darwin, mas não via uma relação entre a evolução das espécies e a socialmente condenável trasngressão do namorado da amiga dela. Então, eu tentei explicar que, por regra geral, todos os clássicos problemas de relacionamento enfrentados por casais em pleno século XXI decorrem da programação genética humana, basicamente inalterada desde a Idade da Pedra após ter experimentado milhões de anos de evolução por meio da seleção natural. De lá para cá, com o advento da civilização, diminuiu-se quando não se acabou com o processo de livre escolha de parceiros sexuais, bem como se possibilitou que indivíduos que ordinariamente não sobreviveriam e deixassem descendentes sobrevivessem, sobrevivam e se reproduzam. Consequentemente, foi-se às favas com a seleção natural e a espécie humana, ao menos do ponto de vista genético, cessou de evoluir. Logo, o homem e a mulher hoje - de novo, POR REGRA GERAL - nada mais fazem senão manifestar, num contexto moderno e civilizado, seus instintos animais preservados desde que habitavam as cavernas.

"AHNNNNNNNNNNNNN?!"

Antes de efetivamente começar a reproduzir a explicação que fiz à minha colega de trabalho - que lhes asseguro que foi plenamente compreendida por ela e espero que também o seja por quem se der o trabalho de ler isto aqui - eu vou relembrar que já fiz duas ressalvas no sentido de que estou admitida e propositadamente generalizando proposições acerca do homem e da mulher. Ocasionalmente, ao longo deste texto, eu poderei invocar expressões cruas, politicamente incorretas e quiçá brandidas por vertentes declaradamente preconceituosas. Eu estou pouco me lixando com o politicamente correto e exerço aqui minha liberdade de expressão. Quanto a preconceito, nada do que eu vou dizer aqui encerra preconceito nenhum da minha parte. Eu só me socorro dessas expressões para fins de ser imediatamente compreendido quanto ao ponto que elas encerrarem. Portanto, eu efetivamente não tenho a intenção de ofender ninguém nem estou manifestando minha reprovação ao modo de vida A ou B. Se alguém eventualmente se sentir ofendido, terá necessariamente interpretado errado o meu texto. Também devo discriminar que não sou biólogo; tudo o que escrevo aqui é retirado do conhecimento que obtive nas aulas de biologia do hoje assim denominado ensino médio e de textos e trabalhos que li por pura curiosidade e em caráter eventual. Gostaria e ficaria honrado, inclusive, se biólogos ou me validassem ou me retificassem.

Agora, sim.

"Primeiro", comecei, "é necessário entender como a civilização barrou a seleção natural e a evolução genética da espécie humana". Com a civilização, o ser humano criou suas instituições intelectuais, tais como o casamento, monogâmico ou não, arranjado - como continua a ser em muitas culturas, mesmo as ocidentais - ou não. Foram também instituídas diversas convenções sociais de comportamento. Logo, ao contrário do seu antepassado das cavernas, o humano civilizado não tinha e não tem a mesma liberdade de copular com quem quiser nem aonde nem como quiser: não precisa pensar muito nem levantar muitos exemplos para que se possa chegar à conclusão de que o humano moderno copula e se reproduz muito menos e com muito menos parceiros do que o das cavernas. Assim, o humano, ao contrário de virtualmente todas as outras espécies de vida do planeta, hoje deixa de se reproduzir tantas vezes quantas tem oportunidade de fazê-lo. Trata-se de outro mérito específico e estranho ao que pretendo expor aqui, mas, paradoxalmente, isso certamente contribuiu para que o ser humano se tornasse a espécie de vida dominante no planeta. Entretanto, do ponto de vista estritamente biológico, nós de fato não seguimos um preceito que é seguido por todas as outras espécies no seu esforço de se perpetuar, qual seja, a reprodução indiscriminada. E nós assim agimos por conta da nossa cultura, advinda da civilização.

Da mesma forma, outros avanços intelectuais facilitados ou possibilitados pela civilização, tais como a medicina, permitem ou fazem com que indivíduos humanos que no tempo das cavernas não sobreviveriam tempo o suficiente para se reproduzir ou se reproduziriam menos do que outros espécimes mais vantajosos, assim com o tempo deixando de perpetuar a sua linhagem dentro da espécie, hoje resistam, sobrevivam e se reproduzam tanto quanto outros indivíduos naturalmente mais aptos. Sem a civilização, imperava, nas cavernas, literalmente, a lei da selva e o mais forte prevalecia sempre. Uma mulher das cavernas - vou chutar - paria, ao longo da sua vida, umas vinte crianças, sendo que umas três ou quatro sobreviviam. Essas eram as mais fortes e as que menos condições ou defeitos inatos possuíam, que por sua vez geravam tantos outros espécimes em tese no mínimo tão fortes quanto eles, dos quais também uma diminuta fração sobrevivia, fração esta fortalecida que prosseguia promovendo a sua própria linhagem e assim por diante. Hoje, uma mulher dá à luz uma média de dois filhos ao longo da vida e a não ser que o feto padeça de males muito graves, a medicina moderna tem amplas condições de fazer com que esse bebê, que nas cavernas não duraria cinco minutos, nasça, cresça, viva plenamente e se reproduza.

"Portanto, a espécie humana não pratica seleção natural há aproximadamente 50.000 anos, época em que paramos de nos reproduzir feito coelhos e que passamos a ter condições de auxiliar os espécimes mais fracos a sobreviver e a se reproduzir, também."

"Tá. Mas o que que o f.d.p. do fulaninho do namorado da cicraninha tem a ver com isso?!"

"Tem que ele é, geneticamente falando, um troglodita. A genética do partes-baixas-sempre-em-alerta aí é pouquíssima coisa ou nada evoluída em relação ao antepassado dele que gritava uga-buga e dava clavadas nas cabeças dos outros."

"AHN?"

Ora. Pense num troglodita. Ele, como os machos de qualquer outra espécie animal da Terra, não tem nunca a certeza biológica de que a prole que a fêmea, com quem ele acabou de copular, parir será dele, pelo simples motivo de que ele expulsa os gametas dele para fora do próprio corpo e para dentro do corpo da fêmea. Uma vez praticado este singelo ato, ele, das duas uma, ou ia descansar ou ia comer. Comer comida, estou querendo dizer, ele ia se alimentar. Alimentado e/ou descansado, ele ia procurar outra fêmea para copular, pois aquela primeira já estava devidamente galada. Esta mecânica ficará evidente um pouco mais adiante. Mas é isso aí. Basta pensar nos instintos de qualquer espécime macho de qualquer animal e na apresentação fisiológica de cada um deles. Repito, o macho não tem como ter certeza NUNCA de que a prole concebida pela fêmea com quem ele copulou é dele, pois tanto quanto ele, tantos outros machos podem ter inoculado seus gametas na referida fêmea e a prole pode ser de qualquer um deles. Portanto, mesmo tendo diligentemente copulado, o macho não sabe se ele efetivamente se reproduziu e deu a sua contribuição à continuidade da espécie pela promoção da sua linhagem.

Hm. Como resolver esse intrigante problema?

É claro que o macho será atraído por determinadas características da fêmea que lhe indiquem a aptidão dela para parir e alimentar a prole enquanto esta não for autossuficiente - no caso dos homens, eles repararão nos seios grandes, que produzirão leite para os recém-nascidos, e nos quadris mais largos que o tórax, que indicarão que a mulher tem capacidade de parir. Porém, se o nosso herói for muito seletivo, ele corre o risco de não se reproduzir PONTO. Se começar com frescura do tipo "ah, essa é gorda", "essa é magra", "essa é baixa", "essa é alta", "essa é feia", ele pode não espalhar a sua semente de jeito nenhum, mesmo que encontre uma fêmea à altura de todas as suas demandas biológicas e logre copular com ela, pois ela, tanto quanto as outras, pode ter copulado com uma infinidade de outros machos também e acabar por conceber prole somente deles, que literalmente compareceram mais! Portanto, o troglodita, ainda que atraído automaticamente à fêmea ótima - nenhum trocadilho pretendido - acima descrita, tenderá a buscar a cópula com toda e qualquer fêmea que ele encontrar pela frente, pois o máximo que o macho expulsante de gametas pode fazer para tentar garantir a difusão da sua linhagem é injetá-la em tantas quantas e quantas vezes ele puder. Esse raciocínio é corroborado, inclusive, pelo fato do macho expulsar milhões de seus gametas a cada valente emissão de seu sumo gonadal. É óbvio, para competir com os gametas dos outros potenciais homens que galaram a mesma mulher, nada melhor do que enviar à missão o maior número de gametas possível.

"Então, minha filha, sua amiga ou qualquer mulher que passar por uma situação dessas que pare de pensar que deixou de fazer algo que a outra faz, que a outra é mais bonita, 'ai, o que que ela tem que eu não teeeeeeeeeenho?!', porque não tem nada que ver com isso. Você pode ser a Gisele Bündchen que se passar umazinha que cai na água e faz tchibum dando mole pro sujeito, ele vai cair dentro."

"Que horror!"
"Você está lidando com trogloditas, moça, já disse. Quer o quê? Que ele se comporte como um cavalheiro? Cavalheiro é cavalheiro, troglodita é troglodita, pô."
"Mas todo homem é assiiiiiim????" (enrolando freneticamente o cabelo com o maldito lápis emborrachado)
"Não, filha. Já não te disse, é regra geral. Pode apostar que 90% tendem a agir assim. Os que não agem, no dizer popular, são as exceções que comprovam a regra e, no científico, compõem o desvio-padrão."
"Ah, tá".

"A propósito", não me furtei de continuar, "não são só os homens que se comportam animalescamente, cavernalmente; as mulheres, também."
"Como assiiiiim?"

Eu acho que o leitor já deve ter compreendido aonde eu quero chegar.

Pense na mulher das cavernas. Ao contrário do homem, ela, como as fêmeas de todas as demais espécies animais, tem certeza biológica e absoluta de que a prole concebida dentro dela é dela mesma, pois ela não expele seus gametas e a concepção se dá dentro do corpo dela. Não por outro motivo, ao contrário do homem, ela não emite milhões, mas sim um ou, em média, no máximo dois gametas por vez e tampouco o faz toda vez que vê um macho adequado, mas sim somente uma vez por mês. E ela pode se dar esse luxo, de só se colocar disponível para se reproduzir periodicamente, em direta razão do comportamento reprodutivo do macho acima descrito. A mulher e qualquer outra fêmea sabe que de falta de homem/macho ela não vai morrer NUNCA, pois, boa observadora que é, vê que o macho inocula seus nadadores em qualquer coisa que se mova. Se alguns espécimes de homens modernos desenvolveram o hábito na adolescência de bolinar melancias ou papaias é outro papo, mas fato é que é evidente à fêmea que o macho vai copular com qualquer uma em qualquer lugar a qualquer hora se lhe derem oportunidade para isso. Logo, ela não precisa se preocupar tanto com a sua própria formosura - embora seja salutar, para fins reprodutivos, se preocupar um pouco. Basta ela se disponibilizar ao macho, qualquer um. Basta ela "dar mole".

E isso significa também o quê?! Que ela pode - e, comanda a prática consagrada da perpetuação das espécies, deve - escolher a dedo o macho ou machos com os quais copulará. É natural, pois, que a fêmea levante e utilize muito mais critérios para escolha de um parceiro sexual do que o macho. No caso da mulher das cavernas, ela tenderá a escolher aquele macho que, além das características físicas mínimas que lhe indiquem a capacidade reprodutiva do indivíduo, apresente aptidão para prover alimento à própria mulher e à prole que ela conceber - prole essa que a mulher, para tanto, dará todos os indícios ao homem de que é comum a ele - assim como abrigo e proteção. No contexto das cavernas, ela terá sua atenção mais voltada ao troglodita mais forte e habilidoso na busca de alimento, bem como - nevrálgica conclusão que se fará mais didática adiante - cobiçará muito mal disfarçadamente aqueles trogloditas com que outras mulheres já copularam ou regularmente copulam. Isto porque as mulheres/fêmeas tendem a ter os mesmos critérios de seleção de parceiros sexuais e reprodutivos e, assim, o "emprego" de um troglodita por uma determinada fêmea sinaliza às demais que aquele troglodita em especial é apto ao serviço.

"Economiza tempo, né? Exclusividade toda fêmea minimamente esclarecida sabe que não vai ter, então, não rola ter 'nojinho' de pegar um troglodita já 'sujo' da potranca do lado. E se o sujeito já foi utilizado, alguém antes que ela já perdeu tempo analisando o rapaz e chegando à mesma conclusão que ela mesma provavelmente chegaria de que ele serve para as coisas. Então, é para ele, bobear antes que para qualquer outro, que ela vai dar mole, sacou?"
(contrariada) "É. Acho que sim."
"Acha, não. Sabe. Pra cima de mim, agora?"
"Humpf."

Minha jovem e ingênua colega de trabalho pode ficar emburrada à vontade, mas esse padrão de comportamento é geralmente repetido pela mulher moderna, num bizarro tributo à sua antepassada das cavernas. Começo explicando o porquê da mulher ir atrás de homens acompanhados/compromissados/casados e depois dos, dentro do contexto moderno, mais... fortes. Aptos a trazer "alimento" e proporcionar "abrigo" e "proteção".

Há estudos sérios desenvolvidos por respeitados programas de pós-graduação em antropologia que apontam exatamente isso: realiza-se uma experiência em que são inseridos diversos homens solteiros num ambiente qualquer propício ao primeiro encontro de potenciais casais. Introduz-se no recinto uma mulher de atributos físicos normais, dentro do minimamente desejável biologicamente e para a cultura peculiar àquele grupo de homens solteiros. Essa mulher culmina por chamar a atenção de pouco mais da metade desses homens. Introduz-se, então, uma mulher de atributos semelhantes, porém acompanhada de um outro homem: somente uma porcentagem estatisticamente irrelevante notará a presença dela. Agora, ao se inverter o exercício, ou seja, colocando mulheres solteiras para documentar sua reação ao ingresso no recinto de homens medianos, tem-se o seguinte: o desacompanhado chamará a atenção de uma minoria das mulheres. Já o hominídeo semelhante que chega acompanhado de outra mulher chamará a atenção de quase todas!

"Filha, quantos casos você conhece dentre o seu círculo de amizades femininas de uma garota roubando o namorado da outra?!"
"Ah, vááááááários..."
"E de homem roubando a namorada do amigo?"
"Ah, acontece, mas é mas raro, mesmo, né? Vi poucos."

Só para fechar a ilustração, volte-se um pouco ao macho: em tese, a fêmea acompanhada despertará o mesmo fervor que a desacompanhada. Porém, o acompanhante é uma barreira para o macho ávido por se reproduzir, ainda que os atributos da fêmea clamem pela atenção dele. Ele pode vencer ou não essa barreira, mas é certo que ele perderá um tempo precioso nesse exercício, tempo este que pode ser melhor aproveitado assediando e concluindo os afazeres com fêmeas mais disponíveis. Daí o instinto do homem de automaticamente descartar a namorada do amigo: não é porque ele é gente boa, mas sim porque dá trabalho pra cacete!

Mas a mulher não tem nada a perder! Acompanhado ou não, ela sabe que se der mole ao macho, ele dá o jeito dele de cair dentro. Mick Jagger e Jerry Hall, Elvis Aaron e Priscilla Presley, entre outros, que o digam. Ou seja, o tempo que ela perder no exercício de 1) identificar o macho apto; 2) dar mole ao macho apto; e 3) copular com o macho apto é rigorosamente o mesmo seja o macho acompanhado de outra fêmea ou não! Logo, vale, sim, mais a pena se disponibilizar para o macho pré-aprovado, pois esse é garantia de que funciona, em todas as conotações do verbo funcionar.

Explicado está que a mulher, pela bendita regra geral, tende a correr atrás, sim, do troglodita usado/homem casado. Doa a quem doer ouvir isso.

E a explicação, ou melhor, ilustração moderna do segundo aspecto do comportamento sexual da mulher não é nem um pouco mais glamourosa. De fato, ela é asquerosamente resumida por uma máxima atribuída a Olacyr de Moraes, consagrado e bem-sucedido empresário paulistano, velho igual a um cuco, feio de assustar criancinha e que vivia rodeado de beldades onde quer que fosse: "QUEM GOSTA DE PINTO É VEADO; MULHER GOSTA É DE DINHEIRO."

Eu sinto muito. Mas é verdade. POR REGRA GERAL.

O homem moderno não precisa caçar, nem pescar, nem colher: ele precisa ter dinheiro para levar a mulher nos mais caros e chiques restaurantes da moda. Trata-se de um ato perigoso que não sou nem eu, são as revistas de comportamento voltadas ao público feminino que assim caracterizam, pois "fazer propaganda do seu homem pode fazer com que as invejosas vão atrás dele". Éééé. Já cansei de folhear revista Nova em cabeleireiro alertando contra isso, mas mulheres não raro são tão competitivas que fazem questão de humilhar as "derrotadas". É realmente arriscado, mas elas vão dar em cima do sujeito pelo simples fato dele ser comprometido de qualquer forma, embora o comportamento ostensivo dele possa, se for da índole dele, coibir ou ao menos minimizar esses avanços. Prosseguindo. O homem moderno não precisa dar abrigo: ele precisa ter dinheiro para construir um belo dum palacete, e também comprar uma garçonnière, porque ninguém é de ferro. O homem moderno não precisa proteger com os punhos! Ele precisa ter dinheiro para ter seguranças e carros blindados! Ora, bolas! O Eike, o Thor e o Olin Batista juntos não são mais bonitos que eu, isso porque eu também sou feio pra caralho. Mas nem Luma de Oliveira nem paniquete nenhuma jamais se enfileirou na porta da minha casa pedindo pelo amor das entidades celestiais para que eu lhe abrisse a minha braguilha! E antes que me chamem de invejoso, eu insisto mais uma vez em esclarecer que estou enumerando aqui a PORRA DA REGRA GERAL! Eu não ajo como troglodita - ao menos não do ponto de vista sexual - e conheço várias mulheres que tampouco agem como "troglodinetes". Mas nós não somos a regra geral e potencialmente não duraríamos muito nas cavernas.

"Enfim. Para qualquer situação dessas envolvendo casais de que você tiver notícias, à ausência de outra explicação específica comprovada, ou o sujeito é cafajeste, ou a menina é vadia ou ambos. Depois, se neguinho virar pra você ou pra alguma de suas amigas e disser 'amo você, meu coração pertence a você, mas meu corpo de vez em quando eu tenho que emprestar para elaS' OU se alguma das suas amigas roubar o seu namorado, não vá dizer que eu não avisei."
"Ai, que chato você."
"Eu, não. Charles Darwin."
"BLEAAAARGH!"
"Ué."

Então, é isso por hoje, crianças.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Morte. A figura do Ceifeiro Implacável. Fogo, fornos de cremação. Cadáveres. E a Velha.

Voltando para casa do trabalho em um desses dias, tocou o meu telefone celular. Era a minha mãe. Entre outras coisas, contou que um primo dela havia morrido e ela estava se encaminhado para o velório com um dos meus tios.

A família da minha mãe é bem numerosa. Dentro de casa, não tanto, ela tem uma irmã, a primogênita dos meus avós, um irmão mais velho e um mais novo. Já meu avô tinha doze irmãos - DOZE! - e minha avó, onze. Meu avô era de São Vicente, filho de uma local com um português. Nascido no começo do século passado, ele fez o que era então a longa viagem serra acima cedo na vida para exercer a profissão de açougueiro. Talvez por isso e pelo fato do meu avô ter morrido jovem pouco ouço dizer desse ramo da família, pois minha mãe na infância e na adolescência teve pouco contato com esses tios e primos, que aparentemente ficaram adstritos ao litoral. O pouco que sei é que o meu avô e todos - TODOS! - os seus irmãos eram diabéticos e as respectivas causas-mortis de todos foram relacionadas à doença. O meu avô inclusive: teve primeiro um acidente vascular cerebral que o quedou inválido e a esse título aposentado precocemente e, pouco tempo depois, foi fulminado por um infarto, quando ainda estava na casa dos quarenta e minha mãe tinha somente nove anos.

Essas informações evidenciar-se-ão relevantes mais adiante, tanto quanto as concernentes à minha avó.

Tampouco tive a oportunidade de conhecê-la, que era cardíaca e morreu doze anos antes do meu nascimento e mesmo dois anos antes do nascimento do meu irmão mais velho. Segundo consta, ela sofria de doença cardíaca crônica. E, tendo criado praticamente sozinha sobretudo os filhos mais novos e os visto todos adultos, proporcionou a eles maior contato com os tios e primos do seu próprio tronco, estes quase todos radicados no ABC paulista. Assim, que alguém faça a conta, mas se cada tio da minha mãe teve em média os mesmos quatro filhos que a minha avó, veja lá a quantidade de gente que integra a terceira geração dos meus bisavós. E ainda se trata de uma família italiana, pois meus bisavós imigraram com suas respectivas famílias, oriundas da mesma região italiana do Vêneto, quando ainda eram crianças. Católicos devotos e vivendo numa época que precede a televisão, não é de se admirar que tenham tido tantos filhos, nem que tenham fomentado a estrita convivência entre eles e seus próprios filhos.

Entro no campo das suposições informadas agora, pois, repito, não conheci minha avó, mas muito ouvi dizer dela. Filha de imigrantes religiosos e pobres, teve pouquíssima educação formal e conversava com os pais e irmãos no dialeto do Vêneto. Por isso que apesar de brasileira nata, minha avó falava português com um forte sotaque. Provavelmente, também, teve uma criação extremamente rígida, por meio da qual deve ter recebido expressas instruções para crescer, casar, se manter casada e se multiplicar. Tampouco existia televisão no Brasil quando a prole dos meus avós foi concebida, do que eu deduzo que eles praticaram o pecado capital da contracepção ainda que eventual, pois tiveram "só" quatro filhos. Seja como for, minha avó devia ser uma senhora completamente ignorante, imbuída de pitorescos preconceitos, sobretudo contra comunistas. Se há uma vida após a morte, suspeito e rogo que ela deve ter gostado do meu último post.

A rica caricatura que é a minha mãe e que eu passarei a explorar literariamente aqui neste espaço certamente decorre em grande medida de ela ter tido a própria mãe como vetor quase exclusivo de criação. Meu tio mais velho, então, é pior ainda.

Diante da notícia, perguntei primeiro à minha mãe de quem que esse primo era filho entre os numerosos tios dela. Era filho do tio caçula, que foi o único irmão da minha avó que eu conheci. Quando perguntei a idade dele, aí me assustei, pois o sujeito era mais novo que a minha própria mãe. Não espantosamente, ele era também cardíaco e, mais grave que isso, diabético, além de obeso mórbido. Digo mais grave porque a diabetes é a doença que afligiu impiedosamente o ramo paterno da família da minha mãe, mas não tanto o materno. E minha mãe é diabética. Que diabos, já cheguei à conclusão e praguejei à minha mãe em pleno trânsito, é quase uma certeza matemática, então, que eu vá desenvolver a doença.

Então, o bate papo ficou mais divertido, porque minha mãe passou a falar dos arranjos que fazia para comparecer ao velório junto com o meu tio caçula.

?

Minha mãe adora um velório. É horrível falar um negócio desses, mas é verdade. Ela desenvolveu esse "gosto" na época em que a grande maioria dos tios e primos dela já haviam todos se casado. Chegava, portanto, aquela fase da vida em que o único ensejo que se tem para rever os parentes minimamente distantes são os enterros. E, sem inobservar a dor dos diretamente envolvidos com a perda, sobretudo quando morriam de velhice ou doenças prolongadas, minha mãe e minha tia em especial se divertiam nessas ocasiões. Tenho certeza de que contam e ouvem piadas nesses enterros e que literalmente gargalham. Mas, pior que isso, ela desenvolveu um procedimento fúnebre que eu nunca vi tão automatizado em mais ninguém, sem falar na naturalidade com a qual ela lida com cadáveres.

Isso não significa que a conduta dela nessas ocasiões esteja entre as dez mais recomendáveis. Eu ODEIO ir com a minha mãe a enterros, pois sempre a vergonha que passo me torna quase tão morto quanto o próprio morto. Por regra, a Velha ingressa no recinto de cara fechada, cumprimenta os familiares mais próximos efusivamente e perde especial tempo consolando a viúva. Faz cafuné, diz palavras suaves, dá beijo na testa e invoca a Providência. Depois, se aprochega do defunto, fita o rosto da carcaça e segura suas mãos por aproximadamente cinco minutos. Em seguida, ajeita ou as flores no caixão ou a redinha que cobre os restos humanos ou ambas e enfim vai cumprimentar os demais enlutados. Esse procedimento é executado de forma indistinta e idêntica, conheça a minha mãe o morto e seus familiares ou jamais tenha visto um ou os outros mais vivo ou mais gordos antes.

Isso dura mais ou menos uns quinze minutos, que para mim parecem uns quinze dias, ao longo dos quais eu fico me perguntando "o que diabo eu estou fazendo aqui?". Normalmente, após esse tour de force, a Velha se volta para mim e caminha em minha direção, quando eu tenho tempo para respirar fundo antes de ouvir uma de duas coisas: 1) (baixinho, sussurando no meu ouvido) "Ele(a) está horrível, não é? Teve uma doença forte, está com uma expressão de dor!", comentário eventualmente repetido para algum outro presente ao féretro com quem minha mãe tenha mais intimidade; ou 2) (em voz normal) "Olha que bonito(a), está com uma expressão de paz, parece que está dormindo!", comentário este repetido para TODOS os demais presentes ao féretro.

A primeira vez em que eu documentei esse comportamento da minha mãe foi quando faleceu um então chefe meu, que já tinha alguma idade, mas morreu de forma absolutamente inesperada. Eu não conhecia um membro sequer da família dele, que estava extremamente abalada. Não me atrevi a chegar perto deles. Minha mãe, apesar de ter sido contemporânea do morto na mesma faculdade, não o conhecia e tampouco à família. Eu observei com horror ela executando esses primeiros passos do velório. Quando ela veio em minha direção, perguntei baixinho "Mãe, o que DIABO você está fazendo?!" e ela falou não muito alto, mas alto o suficiente para quem estava perto ouvir: "Daniel, quer dizer que VOCÊ NÃO FALOU COM A FAMÍLIA DO MORTO?! VÁ LÁ FALAR COM A FAMÍLIA DO MORTO!"...

Voltando ao velório do primo dela, receoso de ser escalado para ir junto, confirmei que ela levaria meu tio a tiracolo. Ela disse que sim e, "a propósito", reportou estar revirando as coisas dela para uma reforma que fará na casa dela e assim encontrou uns documentos de "vital" importância para ela. Melhor retratar o que se sucedeu reproduzindo, tão fielmente quanto possível, o diálogo que se seguiu:

- Então, encontrei aqui uns formulários do Serviço Funerário do Município de São Paulo!
- Ahn.
- Vocês (referindo-se à prole dela) já estão carecas de saber, mas eu já vou deixar tudo preenchido para não ter problema depois, né?!
- Como é que é, Mãe?
- Eu vou ser cremada. Eu quero ser cremada, não é, Daniel, e é bom que já esteja tudo pronto para vocês não se confundirem depois.
- Cremada, é?
- É.
- Bom, Mamãe, em primeiro lugar, não será VOCÊ que será cremada, será o seu cadáver. Em segundo lugar, pessoalmente, eu tenho me posicionado, no campo metafísico, de forma duvidosa, ou seja, não sou cético nem crente, eu não tenho opinião formada sobre a vida após a morte, eu estou respeitosamente em dúvida quanto à sua existência.
- Humpf! (Resmungo de uma católica que, fora o fato de ser divorciada há mais de dez anos, é praticante e observante)
- Portanto, eu acredito que o morto quando está morto, morto está. Logo, ele não quer nem deixa de querer lhufas e passa a ser problema exclusivo daqueles que a lei indica que são responsáveis pela destinação rápida e sanitária dos seus restos, que, assim, devem fazê-lo como bem entenderem. Não vejo muito sentido em repousar a carcaça dessa ou daquela forma só porque o seu animador em vida assim estabeleceu.
- HUMPF!
- Porém, repetindo que estou em dúvida, eu não estou disposto a correr riscos. Que riscos são esses? De ser o primeiro ser humano vivo a ser espancado por um espírito desferindo seu castigo do Além. Logo, Mamãe, pode ficar tranquila, no que depender de mim, eu cremarei o seu cadáver de estrito acordo com as suas instruções e formulários.
- Não, queridinho, te espancar eu não te espancaria, mas é bom mesmo que você me obedeça.
- Pois é. Seja qual for a reprimenda, vinda do Além ela certamente não será agradável.
- Tudo bem, tudo bem. Mas eu vou deixar que você e os seus irmãos façam com as cinzas aquilo que melhor lhes aprouver.
- Ótimo. Na MINHA casa é que não vão ficar. Se o seu irmão mais velho ainda for vivo, eu vou deixar na casa dele, porque ele gosta dessas coisas.
- Ai, ai. Tá bom, Daniel, deixa eu ir para o enterro.
- Ide, Mamãe.

Ainda preciso falar para o meu tio separar uma prateleira na casa dele para essa ocasião. Ele vai contar piada no enterro dela, mesmo.
 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Porque eu passei a votar nulo

Votei pela primeira vez aos dezesseis anos, achava que era minha obrigação cívica votar e fiz questão de tirar meu título. Foi a eleição para prefeito em que foi eleito o Celso Pitta em São Paulo. Ao menos nessa e na eleição seguinte, eu votava por e com convicção. Avaliava as propostas dos candidatos, como manda o figurino regurgitado nas tosquíssimas propagandas institucionais do TSE até hoje, e escolhia os que eu considerava os mais preparados para assumir os cargos. Nunca via o voto como uma obrigação.

Mas a vida adulta, as experiências e as observações repetitivas do comportamento humano, como não poderia deixar de ser, foram me tornando mais cético, para não dizer amargo. E, nesta última eleição, fiz algo que até então jamais imaginei capaz de fazer e, agora, após ter tirado a "zica" e que o meu ceticismo/pessimismo com a raça humana em geral e com o fenômeno político tupiniquim em particular se consolidam, não consigo imaginar deixando de fazer de hoje em diante: eu anulei meu voto.

O problema filosófico que eu enfrento não se resume ao fato de que nenhum candidato ou político ativo merece o meu voto, embora isso seja verdade. Mais significativamente, não vejo ninguém defendendo a única plataforma que eu considero tanto séria quanto factível, que é a redução drástica do tamanho do Estado e, obviamente, da tributação.

Em primeiro lugar, é perfeitamente possível fazer uma contundente, feroz e verossímil crítica ao sistema tributário brasileiro focando-se única e exclusivamente no tamanho da carga, deixando completamente de lado a própria qualidade do sistema, ou seja, a sua deplorável funcionalidade ou operabilidade. Por amor à brevidade e por não ser um tributarista de ofício, eu me darei esse luxo. Restringir-me-ei à condição de cidadão: temos uma carga quantitativamente nórdica para serviços subsaarianos. Ponto. O Estado brasileiro se autoatribui uma infinidade de competências, mas não consegue exercer decentemente nenhuma delas. A qualidade dos serviços que presta é pornográfica. E a tributação, no frigir dos ovos, acaba por quase que exclusivamente servindo para sustentar a máquina pública, em si um gigantesco cabide de emprego. Estou ciente de que faço enormes generalizações e que elas são por definição perigosas, mas tenho que as eventuais e ríspidas contestações que receberia deste argumento também nada mais seriam que citações de uma série de exceções às regras gerais que estatuí que, como o provérbio diz, confirmam a regra.

Este é o fenômeno brasileiro. Ao se discutir em termos abstratos, contudo, a situação do Estado piora. O Estado foi uma instituição historicamente concebida com a precípua finalidade de evitar a barbárie na solução dos conflitos de interesse que naturalmente surgem da convivência humana em todas as formas de grupamentos de que já se teve notícia. A evolução social humana culminou com a criação do Estado, instrumento que permitiu se alcançasse o grau de desenvolvimento da espécie e de suas obras que se tem hoje. Agora, a mesma História apontará que a ÚNICA função que o Estado até hoje desempenhou ou de forma satisfatória ou de forma menos insatisfatória que as demais soluções propostas foi essa (repito): evitar a barbárie na solução dos conflitos de interesse. Exceções pontuais - normalmente nórdicas - desconsideradas, virtualmente todas as outras funções que se "inventou" atribuir ao Estado foram ou são desempenhadas em níveis pífios de excelência, do que o Brasil é uma triste e didática ilustração.

Já que estamos falando de ilustrações brasileiras, permaneçamos com elas. Nem da função histórica primária do Estado, que diz respeito, em termos atuais, à promoção de segurança pública, se está perto de cumprir aqui. E isto não é acidental: acaso amanhã a criminalidade no Brasil fosse reduzida a ZERO - e eu me refiro a crimes não praticados pelos agentes públicos - esses mesmos agentes públicos perderiam MUITO dinheiro. A existência da criminalidade gera um infindável propinoduto, que não interessa a ator político nenhum fechar. Aqui, talvez mais do que em muitas nações ocidentais, o interesse político é por se dar a impressão de que se combate a criminalidade sem de fato combatê-la. E isso para falar da deficiência do Estado brasileiro em endereçar a única função genuinamente estatal. Quanto a todas as demais, eu não consigo conceber que seja difícil entender qual é o objetivo real por trás do discurso praticado por todos os pretendentes políticos de que o Estado deve ser aumentado ("mais saúde", "mais educação", "mais segurança", "mais distribuição direta de renda"...): quanto maior a máquina pública, maior o número de atribuições conferidas a ela. Assim, quanto mais atividades tiverem de ser praticadas ou diretamente fiscalizadas pelo Estado, maior será o número de situações em que o desenvolvimento de uma atividade econômica qualquer por um particular - e não nos esqueçamos que o Brasil AINDA NÃO É um país declaradamente socialista, de forma que, em tese, a atividade econômica é desempenhada, ou melhor, deve ser desempenhada primordialmente pela iniciativa privada - estará condicionado à chancela de, na melhor das hipóteses, um burocrata interessado apenas no seu salário no fim do mês e sem compromisso nenhum com a eficiência própria, do "serviço" que presta e, muito menos, com o bom andamento da atividade do particular. Na pior, o particular terá que se reportar a um marginal que o extorquirá sob pena de não ter a suma autorização estatal para ousar realizar a sua atividade "livre". Ainda, quanto maiores as atribuições estatais, maiores os gastos para mantê-la. Quanto maiores os gastos, maior a tributação. O resultado é que o Estado, tanto quanto conseguir vender ao eleitorado de que ele é necessário e que será "bonzinho" a ponto de querer "cuidar da gente" da melhor forma possível, será cada vez mais inflado e o seu mandatário terá nas mãos as chaves tanto de um gordo cofre quanto de uma polivalente máquina. Quanto maior o Estado, mais tenderá o mandatário a se apropriar da coisa pública como se sua fosse e espoliar o patrimônio público, traficar influências, enfim, operar a máquina da forma como melhor lhe aprouver e sugando em benefício próprio todos os frutos que ela puder lhe fornecer.

Não me parece que essas premissas sejam muito difíceis de entender. No entanto, não se vê um único candidato a cargo nenhum aparecer com uma plataforma de redução radical do tamanho do Estado. De corte de gastos. Desburocratização. Minimização dos serviços prestados pelo Estado. E, consequentemente, diminuição da folha de pagamento, dos gastos públicos e, por conseguinte, drástica redução da tributação. Ao contrário, as propostas políticas são sempre no sentido de aumentar a influência estatal, as oposições atacam as situações não afirmando que as situações inflaram desmedida e desnecessariamente o Estado, mas sim que o fizeram da forma errada, prestando maus serviços, deixando de prestar serviços essenciais para prestar supérfluos... E, quando falam em redução da carga tributária, quando muito tangenciam o assunto, só se arriscam a prometer - sem cumprir - não aumentar ainda mais a carga.

Logo, TODOS os discursos praticados hoje no cenário politico brasileiro são, necessariamente, ou ingênuos ou mal intencionados. Não há como escapar disso. Se o cidadão efetivamente acredita que é possível o Estado, qualquer que ele seja, mas quanto mais o brasileiro nos próximos quatro anos - quem sabe, em 375 anos, nós seremos a Dinamarca hoje, mas ser a Dinamarca em dois anos e meio, que é o que se costuma prometer, isso não vai acontecer MESMO - exercer todas as suas competências às mil maravilhas e ser o grande difusor do bem-estar, por tudo o que eu já falei e por tudo o que a História mundial já demonstrou vez após a outra, o sujeito é quase um caso de hospício de tão ingênuo que é. Por melhores que sejam as intenções e as administrações, o Estado é inescusavelmente burocrático e nunca conseguirá prover os serviços que se propõe a prestar de forma mais eficiente que a iniciativa privada. A iniciativa privada, ainda que potencialmente cara, ganha de qualquer forma de prestação de serviços estatal na relação custo/benefício, pois os serviços estatais são tão horrorosos quanto são mal ou simplesmente não pagos. Enfim, o Estado não tem condições de ser o grande e bom pai de todos que prega ser e o observador e candidato minimamente inteligente tem plenas condições de perceber isso.

Sobra o mal intencionado, personagem adequado a 99% dos casos. O indivíduo SABE da inépcia do Estado tanto quanto eu, mas também sabe que não vai ganhar a eleição falando que cada um com os seus problemas e se entrarem em desavença, não se matem, chamem o Judiciário, que é a única coisa para que o Estado realmente serve, e olhe lá. Ele tem que falar que vai dar creche, vai dar escola, vai dar hospital, vai dar segurança, vai matar - e não prender - bandido, vai dar bolsa-família, vai fazer vista-grossa a ocupação irregular e a gato na eletricidade, gato na TV a cabo, gato no gás e ao despejo de esgoto sem tratamento no corregozinho que passa pelo meio da comunidade.

Conforme eu queria demonstrar, portanto, a única plataforma política séria - por tal entenda-se de boa-fé e não ingênua - e factível é a de redução radical do tamanho do Estado. Não defendo que o Estado deva, em qualquer parte do mundo e para qualquer nação, se restringir a única e tão somente o judiciário e seus desdobramentos: polícia, ministério público, advocacia e demais órgãos próprios para a rápida e justa solução dos conflitos. Entendo que, sempre considerando as realidades regionais, em princípio, toda e qualquer função atribuída ao Estado que não seja o arbitramento dos conflitos de interesses é histórica e filosoficamente anômala. Aí se incluem, para situar a coisa mais próxima da nossa observação brasileira, prestação de serviços de saúde, educação e previdência, aprovação de empreendimentos imobiliários, alvarás de construção de residências unifamiliares, autorização para instalação de lombada na rua, alvará de funcionamento de botequim de esquina, etc. Logo, se se pretende atribuir ao Estado qualquer uma dessas funções que não o arbitramento de conflitos, eu proponho que se pergunte o porquê e que se faça uma análise fria e objetiva acerca da capacidade do Estado de realizar todas elas com eficiência não só satisfatória, mas superior à que a iniciativa privada apresentaria. Se a análise concluir negativamente, não é o caso de se atribuir ao Estado essa função. É esse, em síntese, o programa governamental que eu aguardo ser declarado por algum candidato a qualquer cargo político no Brasil para que esse indivíduo receba meu voto. No entanto, como a probabilidade de aparecer um camarada desses é menor do que o surgimento de uma prova irrefutável da existência de Boitatá, eu começo a me conformar que anularei meu voto até o fim da minha vida, a não ser que o voto passe a ser facultativo, o que considero igualmente difícil.

Cheguei, pois, a todas essas tristes constatações. Provei, para mim mesmo, por A + B, que não há um único discurso político crível sendo praticado no Brasil. Ao contrário, os palanques são ocupados ou por marginais ou por desavisados crônicos. E eu simplesmente me recuso a votar em qualquer um deles.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

The Birdcage

Esses dias eu fui realizar um serviço numa cidadezinha do interior. Traje circense completo, terno e gravata, como de praxe. Findo o ofício, caía a tarde e eu avistei um botequim bem simples, estrategicamente localizado - ou seja, do outro lado da rua da Prefeitura e dividindo muro com uma funerária, cujo nome fantasia, salvo engano, era "Descanse em Paz" - e ousei entrar.

O botequim era pequeno e simpático, descrição apta também à única atendente de prontidão. A cidade não é tão pequena assim, mas aparentemente era provinciana o suficiente para que a mocinha tratasse com óbvia deferência, além, é claro, de muito boa educação, qualquer forasteiro que chegasse trajando terno e gravata. Sei lá, bobear nem o prefeito do lugar deve usar terno, então, pintei lá assim vestido e fui confundido com alguém importante.

A moral desta crônica terá que ser apresentada antes do final, porque acho que vai ficar mais interessante eu contar o que então se sucedeu não sob o formato de narrativa, mas sim reproduzindo tanto quanto possível, parafraseando na pior das hipóteses, o diálogo que travei com a menina. Enfim, independentemente da necessidade de incrementá-las, preciso escolher melhor os alvos das minhas piadas.

Ao diálogo.

"Boa tarde!"
"Boa tarde, doutor!"
"Você tem cafezinho expresso?"
"Tem sim, doutor."
"Então, pelo amor de Deus."
"Um minutinho só, doutor."
"Muito obrigado."

Ela então me serviu o cafezinho, eu tomei, paguei e continuei sentado numa das mesas, onde abri meu celular e comecei a tentar puxar meus emails.

"Você se incomoda se eu ficar aqui um pouquinho?"
"Não, doutor, o senhor pode ficar à vontade."

Ao terminar de ver os emails - surpreendentemente, o sinal estava bom - fiz a gentileza de levar o pires e a xícara até o balcão e não resisti:

"Você está aí me chamando de doutor só porque eu estou de terno e gravata?! Quem te garante que eu não sou dono de boate gay?!"

E aí a menina, coitadinha, arregala os olhos, sobe as sobrancelhas até o couro cabeludo e fala baixinho:

"Ai, o senhor é dono de boate gay, doutor?"
"Não, filha..."

Tenho que aprimorar os alvos das minhas piadas. c.q.d.